segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Uma viagem ao inferno - Parte 6

Em um mundo corrompido habitado por demonios famintos e anjos entediados, 
quem pode ser considerado inocente e livre de pecados?



Despertei lentamente e percorri o quarto com os olhos procurando por Marduk, eu teria pensado não ter passado de um sonho se não fosse pelas marcas avermelhadas que ele deixara em meu pescoço e seu cheiro em meu travesseiro. Levantei e vesti-me preguiçosa disposta a procurar por ele. Eu merecia no mínimo uma explicação! E era isso que ia exigir quando o encontrasse, mas não tive tempo nem de começar minha busca, pois Loki me agardava do lado de fora do quarto.

-Estão esperando por você. –Ele falou simplesmente desencostando-se da parede e me encarando com seus olhos bicolor.
-Estão?
-Seu julgamento...
-Claro... O julgamento. –Fui puxada de meus devaneios instantaneamente e comecei a seguir Loki pelos intermináveis corredores.

Já nem sabia mais onde estava de tantas curvas que fizemos, passando por varias portas fechadas e janelas que não davam para lugar nenhum, enfim ele parou na frente de uma porta e girou a maçaneta e nós entramos em uma maravilhosa sala vazia!

-Você está perdido? Porque se estiver tudo bem, a gente pode perguntar o caminho pra alguém... –Parei de falar ao notar sua sobrancelha arqueada enquanto ele olhava pra mim.

-Não estamos perdidos.

-Certo... Não deveria existir uma corte aqui? Você disse que estavam esperando...

-Estão esperando. Do outro lado. –Olhei em volta e só via porta pela qual entramos.

-Acho que não entendi...

-Cale a boca e feche os olhos, Eva.

-Mas... –Eu deveria ter obedecido, porque antes de terminar a frase fui cegada por uma luz que tomou todo o lugar. Apressei-me em fechar os olhos, senti uma vertigem muito forte e quando os abri de novo a maldita sala branca parecia exatamente igual.

-Vamos. Estamos atrasados. –Mal me recuperei de minha náusea e corri para alcançá-lo na porta, mas ao invés de encontrar o corredor monótono que nos levou aquele lugar entramos em uma sala ampla, branca com adornos dourados.

De um lado estavam Lúcifer e sua comitiva e do outro os anjos. Bem no centro da sala encontrava-se uma enorme balança da justiça com uma cadeira marrom na frente. O teto era tão alto que eu nem tinha certeza se ele realmente existia, não havia janelas ou outras portas.

-Deve sentar-se ali. –Falou Loki apontando a cadeira e tomando seu lugar ao lado de Marduk, que sequer me olhou enquanto eu caminhava até a cadeira do centro.
Observei todos na sala. Lúcifer estava sentado a frente dos demônios com um terno preto bem trabalhado, na fileira logo atrás dele estavam Lilith, Loki e Marduk e atrás haviam mais duas fileiras de demônios que eu não conhecia, sendo duas mulheres e quatro homens. Do lado dos anjos Miguel estava a frente, atrás dele estava, Rafael, Uriel e um terceiro de cabelos loiros curtos e olhos dourados, duas mulheres sentavam-se juntas atrás, uma loira e uma morena, depois apenas homens. Todos fizeram silêncio enquanto eu andava até o meu lugar e sentava-me engolindo em seco.

-Vamos começar. –Anunciou Lúcifer levantando-se e sendo seguido por Miguel. - Ela será julgada pelos pecados cometidos nesta vida...
-Não. Eva é uma alma muito antiga e deve ser julgada por toda a sua existência. –Miguel fitou-o com frieza e recebeu um olhar com a mesma intensidade.

-Miguel, nesse julgamento leva-se em consideração os pecados da vida que a pessoa tem consciência. Ela sequer sabia que carregava a alma de Eva ao encontrar-se com meus demônios. É uma regra muito antiga que não pode ser mudada. –Lúcifer sorriu vitorioso diante do olhar incerto de Miguel e prosseguiu. –Por favor, querida diga seu nome para a corte.

-Marih... Marih Evans. - Falei receosa.

-Fruto de uma relação promiscua entre uma mulher muito jovem com um homem por ela desconhecido, Marih Evans já veio ao mundo fruto de um pecado. Uma filha da Luxuria. –Disse Lúcifer. Sua voz preenchendo o lugar. Ouvi a balança atrás de mim ranger e ao espiar notei que um lado pendia mais abaixo.

-Toda criança nasce isenta de culpa, fruto ou não de pecado. São todas puras diante de Deus. –Disse Miguel. A balança tornou a ranger agora nivelando-se.

-Ainda muito jovem Marih aprendeu a roubar, às vezes tirando o único sustento de uma família. –Não precisava sequer olhar pra balança para saber pra onde ela pendia.

-Roubou para sobreviver!

-Ainda assim é roubo. –Lúcifer disse soberano e a balança continuou pendendo para o lado dos demônios. O que não conseguia decidir ser bom ou ruim. –A partir de seus 15 anos ficou obcecada pela luxuria presente no mundo, buscando prazer com homens e mulheres, por vezes recebendo pelos serviços prestados. –Corei imediatamente, eu sabia que minha vida seria exposta, mas não me agradava nenhum pouco eles falando sobre ela como se eu sequer estivesse ali, com todos me olhando. Imaginei que a maldita balança fosse desmontar, mas ela continuou apenas pendendo para o lado do inferno.

-Ela teve um passado promiscuo, mas ao deixar sua cidade também arrependeu-se dele e fez boas ações para tentar corrigir o mal. Alimentou crianças famintas com o pouco que tinha e não desejou mal aqueles que a fizeram sofrer. Ela aprendeu a perdoar. –A balança alinhou-se novamente, mas o sorriso de escárnio não deixou o rosto de Lúcifer.

-Ela perdoou, mas será que se arrependeu? –Os olhos de Miguel se arregalaram. –Ela ajudou demônios, sabendo quem eles eram...

-Ela mal sabia o que fazia!

-Com certeza sabia exatamente o que estava fazendo ontem a noite, não é, Marih? –NÃO! NÃO! NÃO! Como eles sabiam?

-Só podemos julgar uma alma até o momento de sua morte!

-Mas ela apaixonou-se pelo demônio antes de sua morte... Ele sequer precisou tentá-la, meu caro Miguel. Marih é atraída pela escuridão porque ela faz parte deste mundo. Ela pertence a mim. –Tudo passou pela minha cabeça como um fleche: a noite anterior, os dias de treinamento, quando eu beijei Marduk e até antes disso as coisas que eu fazia naqueles becos escuros... Olhei para ele tentando receber força de seus olhos, mas eles estavam vermelhos e gelados, ele não me ajudaria, havia sido apenas um jogo, um plano, para que a minha alma, a alma de Eva parasse nas mãos dos demônios. Lúcifer sorriu vitorioso com o ranger forte da balança pendendo para seu lado.

Todos se levantaram discutindo. Milhões de coisas eram faladas ao mesmo tempo. Alguém me puxou pelo braço, mas eu nem me sentia mais ali. Por cima das outras vozes pude ouvir o grito de Miguel:

-Isso ainda não acabou Lúcifer!

-É claro que não irmãozinho. Esta guerra está apenas começando. –Lúcifer falou sorrindo ao meu lado, levando-me de volta pra sala vazia.

A luz forte mais uma vez cegou-me por alguns instantes, mas assim que voltei a enxergar vi Lúcifer com seu sorriso triunfante cumprimentado os demônios a nossa volta, que saiam depois de me dirigir um pequeno sorriso ou um simples olhar.

-Meus parabéns Marduk. Sua lealdade será recompensada. –Disse ele apertando a mão de Marduk que continuava com seu olhar frio sem encarar-me.
-Foi um prazer servir-lhe, mestre. –Ele disse saindo. O que só aumentou minha raiva.
-Minha pequena Eva, espero que aprecie a estadia neste castelo, pois é aqui que passará o resto dos dias. –Disse Lúcifer sorrindo pra mim antes de sair acompanhado por Lilith.

Assim que me vi sozinha fui tomada por uma tristeza fulminante, meu rosto todo parecia arder e eu apertei as mãos em punho tentando conter as lagrimas. Já fazia muito tempo que não sentia nada disso, toda essa melancolia, e eu não iria me permitir chorar por um demônio. Então tratei de transformar toda a tristeza, a sensação de traição em algo mais produtivo. Eu sentia raiva, muita raiva. Mas nem toda a raiva era suficiente para conter as lágrimas. Eu precisa direcionar a minha raiva, assim sai em busca de Marduk.

Andei sem rumo certo pelos corredores iguais, provavelmente já estava perdida! Estava tudo deserto, as paisagens do lado de fora da janela mostravam sempre a mesma coisa. Um grande muro seguido de um rio e só. Já estava me desesperando quando ouvi uma voz conhecida, porem quem falava parecia não querer ser descoberto. A voz parecia discutir com alguém em sussurros então abri só um pouco a porta para ver o que acontecia.

- Alexiel, você tem que confiar em mim. Não podemos nos arriscar.
- Eu confio em você, Loki. Mas se os anjos descobrirem...
- Ninguém descobrirá. – E então Loki a abraçou, a mulher de cabelos negros que eu tinha visto antes no tribunal, foi aí que para minha total surpresa eles se beijaram.

O demônio que treinara os cães de Lúcifer e a anja que minutos antes estava de mãos dadas com Miguel quando deixei o tribunal. Meu choque foi tanto que acabei me movendo e derrubando um livro que estava ali perto. Me afastei depressa quase caindo no corredor, mas Loki foi mais rápido e parou a minha frente tapando meu caminho e segurando meu pulso com força.

-O que está fazendo aqui?! –Ele sibilou raivoso.
-Eu... Eu me perdi, estava só procurando o caminho de volta. Não pretendia surpreendê-los. Eu juro! –Seu aperto ficou mais forte em meu pulso.
-O que você ouviu? –Perguntou a morena atrás de mim, seus olhos castanhos acobreados imersos em raiva.
-Não muito. Só que vocês não querem ser descobertos. Eu não vou contar a ninguém! Eu prometo! Por favor Loki, você está me machucando. – Ele soltou meu pulso, me fazendo recuar um passo pressionando a área dolorida.

-Se contar a alguém não me importa o que Lúcifer disser. Eu mesmo te dou de comida a Cerberus!
-Não vou. –Apressei-me em prometer. Loki passou por mim e começou a distanciar-se com a morena. –Loki?
-O que?! –Ele virou-se relutante e raivoso. Encolhi-me.
-Eu realmente estou perdida... –Admiti mordendo o lábio fazendo a anja rir.

-Leve-a de volta. Posso encontrar meu caminho.
-Mas Alexiel!
-Vá querido, nós conversaremos depois. O céu deve estar um caos... –Concluiu a morena beijando-o e se afastando enquanto Loki vinha a te mim silencioso.  


"What am I suppose to say when I'm all choked up and you're OK?I'm falling to pieces." [The script]

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